Monday, January 02, 2006

Crônica - Dia de merda

Aeroporto de Buenos Aires, 15:30.
Pequeno mal-estar causado por uma cólica intestinal, mas nada que uma urinada e um peidinho não aliviasse. Mas, atrasado para pegar o ônibus que o levaria para o outro aeroporto da cidade, de onde partiria o vôo para Cordoba, resolveu segurar as pontas.
-"Afinal de contas, sao só uns 15 minutos de viagem.
Chegando lá, tenho tempo de sobra para dar aquela mijadinha esperta". "Tranquilo. O aviao só sai `as 16:30".
Entrando no Onibus, sem sanitários, sentiu a primeira contração e tomou consciência de que sua gravidez fecal chegara ao nono mês e que faria um parto de cócoras assim que entrasse no banheiro do outro aeroporto. Virou para o amigo que o acompanhava e sutil, falou:
-"Cara, mal posso esperar para chegar na merda do aeroporto porque preciso largar um barro."
Nesse momento, sentiu um urubu beliscando sua cueca, mas botou o esfincter para trabalhar e este segurou a onda. O ônibus nem tinha começado a andar quando para seu desespero, uma voz em castelhano disse pelo alto-falante:
-"Senhoras e senhores, nossa viagem entre os dois aeroportos levara em torno de 1 hora".
Ai o urubu ficou maluco querendo sair a qualquer custo! Fez um esforço hercúleo para segurar o trem merda que estava para chegar na estação cu a qualquer momento. Suava em bicas.
Seu amigo percebeu e, como bom amigo que era, aproveitou para tirar o sarro.
O alívio provisório veio em forma de bolhas estomacais indicando que pelo menos por enquanto as coisas tinham se acomodado. Tentava se distrair vendo a paisagem ma só conseguia pensar em um banheiro, não com uma privada, mas com um vaso sanitário. Tão branco e tão limpo que alguém poderia botar seu almoço nele.
E o papel higiênico então... Branco e macio e com textura e perfume e ...
- "Oops!"
Sentiu um volume almofadado entre seu traseiro e o assento do ônibus e percebeu, consternado, que havia cagado. Um cocô sólido e comprido daqueles que dão orgulho de pai ao seu autor. Daqueles que da vontade de ligar pros amigos e parentes e convidá-los à apreciar, na privada, tão perfeita obra. Dava pra expor na bienal. Mas sem dúvida, não nesse caso.
Olhou para o amigo, procurando um pouco de solidariedade, e confessou sério:
-"Cara, caguei."
Quando o amigo parou de rir, uns cinco minutos mais tarde, aconselhou-o a ficar no centro da cidade, escala que o ônibus faria no meio da viagem, e que se limpasse em algum lugar. Mas ele resolveu que ia seguir viagem, pois agora estava tudo sob controle.
-"Foda-se, me limpo no aeroporto,"-pensou- "pior que isso nao fico".
Mal o ônibus entrou em movimento, a cólica recomeçou forte. Ele arregalou os olhos, segurou-se na cadeira mas nao pode evitar e sem muita cerimônia ou anunciaçao, veio a segunda leva de Merda. Desta vez como uma pasta morna. Foi merda para todo que é lado, borrando, esquentando e melando a bunda, cuecas, barra da camisa, pernas, panturrilhas, calças, meias e
sapatos. E mais uma cólica anunciando mais merda, agora líquida, das que queimam o fiofo do freguês ao sair rumo a liberdade. E depois um peido tipo bufa, que ele nem tentou segurar, afinal de contas o que era um peidinho pra quem já estava todo cagado?. Já o peido seguinte foi do tipo que pesa e ele se cagou pela quarta vez.
Lembrou-se de um amigo que certa vez estava com tanta caganeira que resolveu botar modess na cueca, mas colocou com as linhas adesivas viradas para cima e quando foi tira-lo, levou metade dos pelos do cu junto. Mas era tarde demais para tal artifício absorvente. Tinha mestruado tanta merda que nem uma bomba de cisterna poderia ajuda-lo a limpar a
sujeirada.
Finalmente chegou ao aeroporto e saindo apressado com passos curtinhos, suplicou ao amigo que apanhasse sua mala no bagageiro do ônibus e a levasse ao sanitário do aeroporto para que ele pudesse trocar de roupas. Correu ao banheiro e entrando de box em box, constatou a falta de Papel higiênico em todos os cinco. Olhou para cima e blasfemou:
-"Agora deu, né?"
Entrou no último, sem papel mesmo, e tirou a roupa toda para analisar sua situaçao (que concluiu como sendo o fim do poço) e esperar pela mala da salvação com roupas limpinhas e cheirosinhas e com ele uma lufada de dignidade no seu dia. Seu amigo entrou no banheiro com pressa, tinha feito o "check-in" e ia correndo tentar segurar o vôo. Jogou por cima do box o
cartao de embarque e uma maleta de mao e saiu antes de qualquer protesto.
Ele tinha despachado a mala com roupas. Na mala de mão só tinha um pulover de gola "V". A temperatura em Buenos Aires era proximadamente 35 graus.
Desesperado, começou a analisar quais de suas roupas seriam, de algum modo, aproveitáveis. Suas cuecas, jogou no lixo. A camisa, a mesma historia. As calças estavam deploráveis e assim como suas meias, mudaram de cor, tingidas pela merda. Seus sapatos estavam nota 3, numa escala de 1 a 10. Teria que improvisar. Como a necessidade é a mãe da invenção, entao ele transformou uma simples privada em uma magnífica maquina de lavar.
Virou as calças do lado avesso, segurou-a pela barra, e mergulhou a parte atingida na água.
Começou a dar descarga até que o grosso da merda se desprendeu. Estava pronto para embarcar. Saiu do banheiro e atravessou o aeroporto em direçao ao portão de embarque trajando sapatos sem meia, as calças do lado avesso e molhadas da cintura ao joelho (não
exatamente limpas) e o pulover gola "V", sem camisa.
Mas caminhava com a dignidade de um lorde. Embarcou no avião, onde todos os passageiros estavam esperando o "RAPAZ QUE ESTAVA NO BANHEIRO", e atravessou todo o corredor até a sua poltrona ao lado do amigo que sorria. A aeromoça aproximou-se e perguntou se precisava de algo. Ele chegou a pensar em pedir uma gillete para cortar os pulsos ou 130
toalhinhas perfumadas para disfarçar o cheiro de fossa transbordante, mas decidiu nao pedir:
-"NADA, OBRIGADO, EU SO QUERO ESQUECER ESTE DIA DE MERDA"
(Luís Fernando Veríssimo)

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